sábado, agosto 20, 2011

Droga de chocolate


Sem pânico. Sem pânico. NÃO ENTRE EM PÂNICO!
Tenho certeza de que há chocolate por aqui. Afinal, este supermercado está no centro comercial de uma das maiores cidades brasileiras. Não é concebível haver falta de estoque de chocolate.
- Desculpe senhora, mas as empresas que abastecem este supermercado estão em crise – responde o assistente.
- Todas?!
- Infelizmente, sim. Nunca aconteceu nada parecido. Estamos totalmente desprevenidos. Já faz tempo que não recebemos as novas encomendas e alguns dos nossos estoques já se esgotaram.
Não pode ser! Suor frio começa a escorrer pelo meu corpo. Fico paralisada – o choque é intenso demais. Estou me sentindo fraca. Perco a voz. Não consigo nem chamar o assistente que está se afastando. Meu coração está palpitando sem ritmo. A qualquer hora posso sofrer um infarto. O desespero está tomando conta de mim!
Quando li as cartas hoje de manhã elas me avisaram que minhas ações teriam conseqüências que alterariam vidas. Fiquei ansiosa e antes de me dar conta já tinha comido todo o chocolate lá de casa. Então saí para comprar mais. Mas não estava preparada para isso! Nunca imaginei que enfrentaria uma dificuldade de tais proporções!
Minha visão fica embaçada. Pisco algumas vezes. As estantes vazias estão lotadas de barras de chocolate e bombons. Bosta. A abstinência de cacau está me fazendo alucinar. De repente, meus olhos focam num Ferrero Rocher mais nítido do que os outros. Espera. Não é ilusão. O último chocolate neste supermercado está logo adiante. É real! Tão real quanto aquelas duas pessoas que estão se aproximando. Mas não estão chegando mais perto de mim. Estão caminhando em direção ao chocolate.
- NÃÃÃÃÃÃO!
Estou gritando e correndo.  Não consigo me controlar – é puro instinto. Como uma mãe que vê seu filho em perigo, me coloco entre o chocolate e os dois homens. Meu escândalo os fez hesitar e alcanço o Ferreo Rocher antes deles.
- Pare! Este chocolate é meu!
- O quê? Quem é você? E que história é essa? Cheguei aqui antes da senhora. O chocolate é meu. Saia da frente – contradiz o homem à minha esquerda. Ele está descabelado e muito mal vestido.
- Com licença, mas acredito que houve um equívoco. É evidente que o Ferrero Rocher pertence a mim. Não porque eu cheguei primeiro, mas sim por uma questão de mérito.  O chocolate terá melhor uso se eu o consumir – explica o outro com tom condescendente. Agora que o vejo de perto, enxergo que se trata de um garoto de uns 14 anos de idade.
- Ah é? Você merece o chocolate mais do que eu? – interroga o homem perdendo a paciência. - Pois eu digo a tu que eu sou quem merece o chocolate! Acabo de ser despedido de meu posto como detetive de polícia! Preciso deste chocolate para me consolar!
- “Digo-lhe”. “Pois digo-lhe” – corrige o menino. - Certamente o senhor foi desempregado por sua falta de competência em cumprir com as ordens de seu chefe e as regras da língua portuguesa.
- Que atrevido! Como ousa tratar seus superiores com tanto desrespeito?! Que malcriado! Espera eu contar isso pra sua mamãe pra ela te dar umas boas palmadas! Que que você entende da vida, menino? Aposto que você só quer esse chocolate por ser egoísta!
- Ao contrário. Se fosse realmente malcriado não teria deixado passar todos esses erros de português que o senhor acaba de cometer. E, já que está tão ansioso por saber, lhe direi por que exijo consumir o Ferrero Rocher. O senhor provavelmente não está familiarizado com o processo, pois deduzo que nunca participou dele, mas eu farei o vestibular daqui a poucas horas e as enzimas do chocolate estimularão os meus neurônios, permitindo-me escrever boa prova.
- Mas que absurdo! Isso que é egoísmo! Comer chocolate por razões friamente calculadas, privando os realmente necessitados de conforto!
- O senhor é quem está sendo egoísta, impedindo os capazes de terem um futuro bem sucedido por frustrações próprias.
- Quietos! – exclamo, não aguentando mais aquele tanto de palavreado. – Os dois estão sendo egoístas!
- Ah é? E a senhora não? – pergunta o ex-detetive, agora me encarando.
- Bem...eu...eu... Eu não! – digo com convicção.
- A senhora não veio comprar o chocolate? – provoca o menino com um olhar cínico.
- Não! – respondo abafada.
- Eu sou cartomante e hoje as cartas me disseram que eu enfrentaria um desafio e mudaria o rumo de vidas. Agora tenho certeza de que essa fortuna se refere a vocês! – continuo inspirada. – Vocês não precisam de chocolate! Vocês estão com medo de enfrentar o mundo e estão usando o chocolate como desculpa. Este Ferrero Rocher não vai mudar a vida de vocês; vocês precisam confiar e depender de sua própria força para alcançar seus objetivos. O chocolate é um vício, é uma saída fácil. Sempre regressamos àquilo que conhecemos e àquilo que é seguro para nos consolar e acomodar. Mas esse não é o caminho certo. Temos que criar coragem e ser quem verdadeiramente somos sem uma máscara de chocolate nos cobrindo.
Silêncio.
- Uau. Que profundo – diz o ex-detetive, finalmente rompendo com a paz estabelecida após o meu discurso. – No começo achei que esse assunto só tratava de chocolate, mas agora vejo que na verdade trata das minhas próprias inseguranças em relação a eu mesmo.       
- Nunca tive essa perspectiva, mas vejo que há sentido no que diz – comenta o garoto com voz pensativa.
- Sim. A senhora tem razão – decide de repente. - Obrigado por suas palavras iluminadoras. Adeus.
Silêncio. Só ouço os passos do menino e do ex-detetive se distanciando. Estou paralisada novamente. Estou rouca, de novo.
O que há de errado comigo?! Não consigo falar, nem me mexer, pela segunda vez! Estou em estado de choque, só que agora é em relação ao que eu acabo de dizer.
Quando me recomponho, viro para encarar o Ferrero Rocher. Estou completamente calma. Sinto-me outra pessoa. É, parece que hoje eu realmente evoluí. Não dependo mais de chocolate e, no fundo, sei que nunca dependi.
- Mamãe, mamãe! Olha! Chocolate! – a voz de uma menininha atrás de mim interrompe meus pensamentos.
- Querida, que sorte a sua! Parece que é o último chocolate. Você quer que a mamãe compre?
Suor frio volta a cobrir o meu corpo. Minha mente é uma folha em branco com uma única palavra escrita em tamanho 72 em negrito.
Sem pânico. Sem pânico. NÃO ENTRE EM PÂNICO!


Crônica escrita por Mariana Amaral

Nenhum comentário:

Postar um comentário